Tomaz Fantin
Mais ou menos uma vez por ano eu dedico alguns meses para leitura ou releitura de algum grande clássico da literatura Universal. E não o faço por gabolice, mas acho realmente que a vida é muito curta para não tentar descobrir os motivos que fazem uma história sobreviver décadas e até séculos.
No verão deste 2024 foi a biografia do Che Guevara, aquela grandona escrita pelo Lee Anderson, e agora no inverno a releitura de Dom Quixote.
Estou impressionado com a semelhança dos capítulos finais da vida de Che, na Bolívia, em 1967, montado num pangaré com meia dúzia de maltrapilhos caminhando para a morte, com as cenas do fidalgo que, em 1600, saiu pela Espanha com seu fiel escudeiro para corrigir os males do mundo.
Che Guevara percorreu o sonho de um mundo sem classes sociais, utilizando a violência revolucionária como arma, sendo por fim vítima da violência do status quo.
Dom Quixote também tentava corrigir as injustiças através da espada e em quase todas as passagens acabava tomando porrada. Melancólico, apesar da genial narrativa cômica imposta por Miguel de Cervantes.
Che e Dom Quixote são daqueles personagens que fazem com que a História ande para a frente com um humanismo totalmente radicalizado.
Obviamente que as duas obras, escritas com 400 anos de distância, tem diferenças.
Lee Anderson teve o trabalho insano de pesquisar a vida de alguém que existiu, já Cervantes teve o trabalho hercúleo de tirar tudo aquilo da própria cabeça. O primeiro tem a América Latina e a África como palco, o segundo viaja a cavalo numa União Ibérica pós-feudal.
Dom Quixote erra nos momentos de loucura, mas fala as maiores verdades nos momentos de lucidez. Che Guevara acerta em sonhar um futuro de igualdade e erra justamente por ser de carne e osso. Ambos tentam aplicar seus sonhos no mundo real.
Recomendo as duas leituras para aquelas pessoas que desejam não se deixar levar tanto pelos filtros, as vidas perfeitas e inteligências artificialmente treinadas para manter o mundo exatamente como está.
