Tomaz Fantin
Há algumas semanas o uso das bicicletas como meio de transporte ultrapassou o dos carros na cidade de Paris.
A Cidade Luz revisita um sonho antigo.
Foi na Comuna de Paris, uma insurreição popular ocorrida em 1871, que o uso de viaturas individuais foi proibido. Como alternativa foi sugerida a distribuição de 1 milhão de bicicletas. Uso livre, desde que não ultrapassasse os limites da cidade e arredores, com algumas rotas precursoras do cicloturismo.
Aqui no Rio Grande do Sul existe uma das mais completas rotas de cicloturismo do mundo, a Rota Romântica, que atravessa algumas partes da Serra e do Vale do Rio dos Sinos, onde tirei esta foto há duas semanas, quando começou a chover e não parou mais.
A vizinhança deste local está totalmente submersa. São Leopoldo, cidade onde moro, já tem 100 mil desalojados numa população de 240 mil pessoas.
Não fui diretamente atingido, ao contrário de dezenas de amigos, colegas e alunos de diferentes regiões do Estado.
Estão em casas de amigos, familiares e em abrigos improvisados.
E enquanto escrevo não para de chover lá fora. Ambulâncias e helicópteros. Barcos passando em reboques da Polícia Federal. Cenário de guerra, apocalíptico, cinza, úmido e frio.
O sistema de bombas do bairro pode falhar a qualquer momento e virar uma maratona para abandonar a casa. O bairro. A cidade. A região metropolitana. O Estado.
No meio de tanta tristeza o abraço vem de todos os recantos do Brasil e não nos deixa submergir por completo, uma corrente de solidariedade que nós gaúchos jamais tínhamos visto.
Não tem nem como agradecer tanta ajuda!
Só nos resta retribuir convidando as pessoas a nos visitar quando toda esta água baixar.
A solidariedade, ao contrário da caridade, é uma via de duas mãos. Devolveremos todo o carinho com a famosa hospitalidade gaúcha, apesar de alguns maus elementos dizerem o contrário.
Podem nos visitar fazendo um cicloturismo pela Rota Romântica, por exemplo, uma das regiões mais afetadas e que possui paisagens, histórias e culinária para ninguém botar defeito.
Para os menos olímpicos temos os Cânions, o Pampa, Porto Alegre e sua vida cultural efervescente.
Não se deixem enganar pelas fotos da tragédia, Guaíba, em tupi, significa encontro das águas, um lugar que recebe diversos rios que nascem no topo do Estado, pare a Laguna dos Patos e deságua lá na Praia do Cassino, a maior do mundo, que vai até o Uruguai, a província rebelde.
Fica também o convite para iniciarmos uma revolução que ressuscite a Comuna de Paris, escutando os povos originários, respeitando as matas ciliares, substituindo o uso individual do automóvel em grandes cidades, priorizando a agricultura familiar e acreditando nos cientistas sérios e comprometidos com o bem comum.
Superar o atual sistema econômico é urgente! O capitalismo é o apocalipse em doses homeopáticas.
Cada vez menos homeopáticas.
