Tomaz Fantin
Tinha feito o fogo, a caipirinha e espetado os galetos quando a Genoveva chegou com as bochechas vermelhas, pingando o suor da testa:
— O padre só dá a comunhão se tiver o padrinho de batismo junto.
O padrinho do Ângelo morava no Morro do Meio, dava uns trezentos quilômetros dali. Nem que a gente tivesse avisado antes aquele capitalista ia parar um dia de serviço pra ver afilhado que ele nem lembrava do nome. Ajeitei os galetos na geladeira e tive a única reação possível naquele momento:
— Porco Dio, mesmo!
O Ângelo todo aprumado. Coitado do guri. Calça de brim, camisa de botão, sapatinho lustro e água de cheiro que dava pra sentir lá da estrebaria. Quis chorar quando me viu:
— Te acalma, piá!
Acho que já tinha dado uns três anos estudando na catequese, trabalhando de coroinha, decorando reza. Tinha até se confessado pro padre da meia dúzia de pecado que devia ter naquela idade. Ia ser uma pena se não saísse aquela primeira Eucaristia.
Olhei pela janela e vinha passando o Setembrino. O melhor carneador de porco da região. Chapéu quebrado na testa, bombacha de aba larga, um palheiro apagado no canto da boca. Já tava alto da cachaça cedo:
— Setembrino! Home de Deus! Tu é religioso?
— Sou religioso que é um demônio.
— Então te aprochega que hoje tu vai ser padrinho do Ângelo.
Tirei o Fusca da garagem. Eu no volante, o Setembrino do lado, a Genoveva e o Ângelo atrás. Setembrino acendeu o palheirão que chegou anular o efeito da água de colônia do piá. E a Genoveva passando sermão:
— Vocês se comportem lá na igreja.
O guri pálido e o Setembrino só dava risada:
— Se o padre te perguntar onde foi que tu batizou o Ângelo, o que tu diz, Setembrino?
— Que foi na Serra do Meio, comadre.
— Morro do Meio, pelo amor de Deus, vai dar tudo errado.
Encostei o Fusca na frente da igreja. O Setembrino tinha uma garrafa de canha moqueada por dentro de um casaco. Pedi um gole. Descemos os quatro na direção da igreja.
Os piás de fatiota e as gurias de roupinha branca florida e lacinho nos cabelos. Tudo numa fila na porta da igreja. O Ângelo ficou ali e nós entramos. O lugar dos pais e padrinhos era na segunda fila de bancos bem na frente. Enquanto o sacristão organizava onde cada um tinha que sentar eu disse:
— O compadre Setembrino aqui que é o padrinho de batismo do Ângelo.
Antes de começar a missa eu e o Setembrino demos mais um gole na canjibrina. A Genoveva resmungando e a missa começou. Os que iam receber a primeira comunhão entraram em fila e se sentaram no primeiro banco, bem na nossa frente. O Ângelo era o segundo contando da ponta pro meio.
O urubu subiu no púlpito, fez um discurso e chamou o primeiro pra receber a hóstia. O Setembrino soluçava e a Genoveva bufava. O suor me escorria pelo meio das calças e entrava no rego.
Nisso o padre chamou o Ângelo. Demorou pra se levantar e eu já dei uma empurradinha pra ajudar:
— Vamo, piá, ó lá o padre te chamando!
Saiu meio desorientado. Pegou a hóstia da mão do padre e comeu com os olhos fechados. O Setembrino se levantou, encheu o peito e gritou:
— Esse é o meu afilhado, tchê!
Umas pessoas pediram modos. Pra não deixar o Setembrino sozinho eu me levantei também e disse pra todo mundo ouvir:
— E ele é o padrinho do Ângelo de verdade!
Sentamos. Quando o padre deu a benção de fim da missa eu e o Setembrino já tava na porta da igreja. Ainda passamos num bolicho pra comprar mais cachaça e fomos terminar o churrasco da primeira Eucaristia do Ângelo.
Depois de uns quinze minutos chegaram a Genoveva, o Ângelo e o sacristão no meu fusca que a gente tinha esquecido na frente da igreja. Reclamaram que tinha que ter esperado as fotos no fim da missa.
O Setembrino ficou tão contente de ter sido padrinho, mesmo que de mentira, que quando o Ângelo foi se crismar chamou ele de novo. Precisava ver a faceirice do homem.