Batismo de Fogo


Tomaz Fantin

— Se nos pegarem a gente se faz de bêbedo, home — disse o Tião me alcançando uma garrafa de canha.
Guardei a pinga no bolso interno da jaqueta. Madrugada. O Maurício atravessou a rua, tirou a lata de spray do bolso. Letras pretas no muro bege. Terra, teto, trabalho... A cachorrada da vizinhança acordou.
— Soberania, escreve só soberania, não precisa de nacional — meu coração saía pela boca.
O Maurício foi até o fim. Terra, teto, trabalho e soberania nacional. Algumas luzes foram acessas na vizinhança. Eu peguei a lata. Caminhamos até a escola onde fazíamos o Segundo Grau. Não a Alca e Fora FMI escrevi na parada de ônibus:
— É com crase, camarada — corrigiu o Maurício.
— Mas que vá pro diabo essa tal de crase, home — rosnou o Tião.
Maurício tomou o spray da minha mão e voltou. Não à Alca:
— Comunista tem que estudar.
Me devolveu o picho. O Muro branco e o Tião me orientando:
— Escreve: Fora Serra, Lula 2002.
Mas eu tinha outros planos. Te amo, Camila.
— É hora de fazer declaração? Nosso batismo de fogo e tu fazendo declaração de amor?
O Tião riu do Maurício, pegou o spray e escreveu em letras garrafais: Professor de física guampudo, Diretor jaguara. Saímos rápido em direção à esquina.
— Precisava baixarem o nível desse jeito, seus bagaceiros?
— Mas o diretor é um jaguara, home, e o professor de física é um baita dum guampudo mesmo.
Quando estávamos pichando a porta de uma creche a polícia chegou. Sirenes, portas batendo, gritos. Eu me atirei no chão. Maurício jogou a lata no mato. O Tião ficou em pé, paralisado com o farol da viatura na cara:
— Home do céu! Eu e esses meus sonambulismo... — disse ele ao PM antes de tomar um tapa na cara.
Os policiais tocaram nossa garrafa de pinga na parede. Acharam o spray no mato e picharam a nossa cara. Fomos algemados e levados para a Delegacia. A mãe do Maurício era advogada dos direitos humanos e veio nos soltar. Ainda ameaçou os polícias por terem batido em menores de idade. Voltamos para casa no carro dela. No caminho, passamos pela escola toda pichada. A mulher estranhou:
— Professor de física guampudo? Te amo, Camila? Diretor jaguara? Mas que pichação é essa?
— Aproveitamos a revolução para resolver uns probleminhas pessoais, tia
O Maurício balançava a cabeça lembrando do Che Guevara. O Tião pensava na reprovação em física. Eu na Camila.

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Tomaz Fantin

E-mail: tomazfs@yahoo.com.br

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