Tomaz Fantin
O cliente saiu do banheiro e caminhou até o caixa. Pratos de feijão, arroz, batatas e salada de ambos os lados. Barulho de talheres. Na televisão falavam do Grêmio. Dois na fila. Chegou a sua vez:
— Só o almoço? — resmungou o dono do restaurante com um palito na boca de trás do balcão.
— Só...opa, pera...vou levar esse chocolatinho também.
Abaixou-se com destreza, pegou um sonho de valsa, colocou-o em cima do balcão e apontou para a televisão:
— Vai ter Grenal hoje?
— Sei lá...
O dono do restaurante anotou algumas coisas num papel, manipulou uma calculadora de pilhas e olhou para a garrafa de água mineral na mão do cliente. Tirou o palito da boca e aumentou o volume da voz:
— E essa água aí?
Um calorão subiu às orelhas e bochechas do cliente:
— Mil perdões, querido! Esqueci da água, não foi intencional.
— Mmmmm...tu vai pagar só o almoço e o sonho de valsa, aquela anta — apontou para uma funcionária que limpava uma mesa — esqueceu de colocar na comanda e vai pagar essa água pra aprender.
— Desnecessário! A água é minha, eu pago.
— Deixa ela aprender, porco Dio! — Deu um soco na prateleira de doces que fez os outros clientes pararem de mastigar.
O cliente pagou o valor total e saiu do restaurante. Na rua, um sol amarelo e alto fazia tudo derreter como relógios de Dali. Após caminhar alguns metros, o cliente viu Bertolt Brecht ao seu lado, que o segurou pelo braço e disse:
— O dono do restaurante vai cobrar a funcionária do mesmo jeito.
— Por que ele faria isso?
— Porque não tem nenhum registro que tu pagou a água.
O cliente deu meia volta. Entrou no restaurante de novo. O dono, com o dedo em riste, xingava a funcionária. Incompetente, imbecil, burra. Quando viu o cliente retornar, ficou ainda mais agressivo:
— Moça, eu paguei a água, tá? — disse o cliente dirigindo-se à funcionária em tom didático.
O dono do restaurante saiu aos gritos atrás do cliente:
— Sai daqui, figlio de una putana! Comunista!
Pegou um relho de trás do balcão e expulsou o cliente do restaurante. Enquanto isso, a funcionária chorava com as mãos no rosto. Na rua, Gramsci apareceu ao seu lado:
— Do rio que tudo arrasta dizem violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
O cliente caminhou alguns passos, pegou uma pedra e arremessou contra a vidraça do restaurante que se espatifou em mil pedaços. De dentro, saiu o dono com o relho na mão e vários garçons, incluindo a funcionária que tinha sido xingada minutos antes.
O cliente tentou correr, mas foi alcançado poucos metros depois. Tomou socos no rosto. Relhaço nas costelas. Chutes na bunda. Foi largado numa sarjeta sob o olhar das pessoas que passavam apressadas. Gramsci apareceu novamente ao seu lado:
— Não há nada mais parecido com um fascista do que um burguês assustado.
Todo ensanguentado, sujo e com o corpo todo doendo, o cliente olhou nos olhos de Gramsci e disse:
— Vai pra puta que te pariu!
Desmaiou ensanguentado. A funcionária xingada deu mais um chute para que o cliente aprendesse a não se meter nos negócios dos outros.