Tomaz Fantin
Miguel acordou com a cabeça latejando. Um gosto amargo e pegajoso na língua grossa. Pouco se lembrava da noite anterior. Sentou-se na cama, calçou os chinelos e arrastou-se até o banheiro. Debruçado sobre a pia abriu a torneira e engoliu tudo o que pode daquela água corrente.
Ao levantar o rosto e se olhar no espelho percebeu uma marca roxa no lado esquerdo da testa. Sangue seco ao redor da mancha. Lavou a mancha dolorida esfregando com um papel higiênico úmido. Puxou pela memória a noite anterior.
Tinha ido a um boteco depois do trabalho com Diego, seu colega, lembrava-se de terem tomado uma dose de uísque. Depois, pegaram um uber até a Agropop, uma festa de música sertaneja. Outros uísques, desta vez acompanhados de energético. Dali pra frente era um vazio total. O editor da vida tinha apagado até o momento em que acordou de ressaca com aquele galo na cabeça.
Miguel saiu do banheiro e foi até o sofá da sala. Sentou-se e pegou o celular. Acendeu um cigarro. Acessou as redes sociais. Briga generalizada na Agropop nesta madrugada, dizia a reportagem compartilhada por alguém. Na foto, carros da polícia parados na frente da balada.
Apagou o cigarro no cinzeiro ao lado do sofá e foi até a geladeira. Pegou um resto de Coca sem gás e um pedaço pizza gelada. Briga? Nem sequer um flash. A pizza tinha gosto de borracha com queijo azedo, mas engoliu do mesmo jeito. Voltou para a internet e acessou a página do jornal da cidade.
Quebra pau envolvendo mais de dez pessoas começou por ciúmes. Homem bêbado forçou beijo em mulher. Seguranças protegem mulher de assédio de homem descontrolado. Garrafas arremessadas pelos amigos da mulher contra o assediador.
Miguel tocou o galo na cabeça com as mãos tremendo. Caminhou em círculos pela sala. Ligou para Diego:
— Oi...
— Tá vivo, meu? — disse o amigo do outro lado.
— Tô...
— Que doideira ontem, hein? Tu tava muito louco, velho.
Coração aos pulos. Diego continou:
— Tu lembra da merda que tu fez?
Miguel com o coração saindo pela boca acendeu outro cigarro:
— Não cara, tá muito foda hoje.
— Bah, meu! Tu ficou doidão, dançava com todas as minas, vomitou dentro da cerveja dum cara, tive que te levar pra casa, agressivo, me xingando, xingando o motorista do uber, dizia que queria continuar na festa.
— E a briga?
— Que briga?
— Tá no jornal que teve uma briga na festa ontem.
— Ahhhh, sim...bom, essa foi a nossa sorte, na real. Quando fui te levar pra casa rolou uma pancadaria na festa, parece que um cara forçou um beijo numa guria e o namorado dela desceu o braço e daí os amigos do cara entraram na treta.
— Eu tava em casa na hora da briga?
— E eu nem consegui entrar na festa de novo quando voltei, polícia por tudo, foi feia a pegada, mano.
Miguel apagou o cigarro. Um flash. Tinha descido do uber. Depois caminhara até a porta do prédio. Elevador. Tropeçara nas próprias pernas e a cabeça dera numa quina antes dele se esborrachar no chão. Diego chamava do outro lado:
— Ô meu, tá aí ainda?
— Tô sim, muito obrigado por tudo, vou dormir mais um pouco.
— Beleza, tu não sabe beber, meu.
Não sabia mesmo. Parou de beber naquele dia e de fumar uns anos depois quando quase tocou fogo em casa.