Venha Ver o Tricolor


Tomaz Fantin

Dênis abriu a porta do apartamento com um amplo sorriso de dentes brancos e alinhados. Marcus também sorriu, sorriso vermelho metálico, e mostrou o fardinho de cerveja. Caíram nos braços um do outro:
— Dale, tricolor!
— Vamôôô tricolooooor...
Dênis tirou o fardinho das mãos de Marcus e guardou na geladeira. Ordenou que o amigo se sentasse no sofá da sala em frente à televisão:
— Deixou o carro na garagem ao lado do meu?
— Isso...— Marcus suspirou.
— Pode pôr a chave ali em cima — Apontou uma mesinha no centro da sala.
Dênis começou a picar uns petiscos. Os jogadores cantavam o hino com a mão no peito. Marcus comentou sobre o nervosismo de disputarem uma final tão importante. Comentou da alegria que estava sentindo por voltarem aquela antiga amizade depois de tantos anos e mal-entendidos:
— Tu sabe...desde que a Carol...
Dênis parou de picar os petiscos por alguns instantes. Depois retornou aos movimentos, cada vez mais rápidos. A faca voava naquele pedaço de queijo parmesão. Marcus deu um gole na cerveja, Dênis levantou o rosto e enquanto abria uma lata de pepinos em conserva disse:
— Deixa a Carol pra lá, cara! — Baixou os olhos fixamente para o picadinho.
— Que ótimo!
— Hoje é dia de tricolor.
— Sabe que a Carol até implica um pouco com a nossa amizade, ciúmes, sabe?
— Se sei...e jogo ainda, ela odeia o tricolor...
— Odeia mesmo.
— Mas o time dela tá na Série B.
Gargalharam. Marcus cruzou uma perna sobre a outra. Dênis atirou a bandeja de picadinhos por sobre a mesa de centro, ao lado da chave do carro. Marcus seguiu no assunto:
— Acho que depois que ela te deixou para ficar comigo até fez bem para ti, foi promovido, né?
— Sim...
— Agora tu é tenente?
— Capitão.
— Pra ver...
— Pra ver...
O jogo começou e o tricolor logo fez um gol. Marcus pulou, correu para a janela e gritou para a vizinhança. Dênis se deixou abraçar, depois ajeitou o amassado na camisa listrada de três cores. Quando o jogo recomeçou, Marcus falou um pouco mais da Carol. Às vezes era chata, mas no geral era uma baita companheira, ótima na cama, os dois sabiam, né? Riu com o canto da boca. E terminou o primeiro tempo.
Marcus foi até o banheiro. Dênis foi para a cozinha preparar um drinque. Na volta, ofereceu uma taça de vidro em formato cônico com uma rodela de laranja na borda:
— Aos velhos tempos!
— Que nada nos separe! — Sorriu Marcus ao dar um longo gole — que delícia!
— E que o tricolor nos una! — Gargalhou Dênis com um brilho sombrio nos olhos.
Marcus entregou o copo para Dênis e atirou-se no sofá. Dênis foi até a cozinha e despejou o conteúdo no ralo da pia:
— Ué...não vai beber?
Dênis nem levantou a cabeça. Marcus bocejou:
— Credo, Dênis....até parece que tu colocou alguma...
Apagou. Dormiu instantaneamente de boca aberta. Dênis amarrou os braços do desfalecido Marcus e enrolou-o num longo tapete vermelho. Enfiou-o num carrinho de supermercado com as pernas para fora. Pegou as chaves do carro sobre a mesinha de centro e um galão de gasolina que estava na cozinha. Abriu a porta do apartamento e olhou o corredor vazio. Chamou o elevador. Desceu até a garagem. Abriu o porta-malas e atirou o amigo dentro.
Dênis dirigiu por trinta minutos até uma estrada de terra longe do centro. Carros abandonados no beco sem saída. Escutou algumas batidas vindas da parte de trás. Estacionou. Abriu o galão de gasolina e espalhou por sobre o automóvel. Abriu o porta-malas:
— Que brincadeira é essa, meu amigo?
— Amigo, amigo... nós éramos amigos lá na infância, não depois que tu roubou minha mulher...
— Pelo amor de Deus, Dênis! Tava tudo certo entre nós...tu até me convidou pra ver o jogo do tricolor...
Dênis foi colocando gasolina em cima de Marcus. Comentou que o falso amigo se dizia tricolor, mas no instagram tinha uma foto com Carol no estádio do rival, que tricolor era aquele? Ateou fogo num pano vermelho e atirou dentro do porta-malas, fechando-o e afastando-se a passos lentos.
Os gritos iam ficando cada vez mais distantes. O fogo chegou até o tanque de gasolina no momento do fim do jogo. A explosão misturou-se com os fogos de artifícios da cidade. Eram os rivais comemorando, o tricolor tinha perdido mais um campeonato. Dênis foi para casa chateado. Carol estava na festa. Marcus, morto.

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Tomaz Fantin

E-mail: tomazfs@yahoo.com.br

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